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Tzfat - A Cidade dos Cabalistas Judeus
Uma cidade nas montanhas verdes do Vale Hula, próximo as costas dos mares
da Galiléia, Safed foi na metade do segundo milênio da era Cristã uma cidade
inteiramente habitada por cabalistas judeus, e onde viveram alguns dos maiores mestres
desta santa ciência, inclusive o Ari, talvêz o maior deles todos.
Na Idade Média, o centro do Judaismo deslocou-se da Babilônia para a Europa, Espanha e
França. Nesta época foi produzido o Sepher ha Bahir (Livro Brilhante), por Isaac, o
Sagui Naor, filho de Abraão ben David de Posquières, que introduziu no judaísmo a
noção de transmutação das almas (Gilgul) e interpretou o Sephiroth como causas
instrumentais do Universo. Diz-se que este livro contem os discursos do Rabi Nehuniah ben
Hakana, em transe.
Nesta época as obras mais famosas foram as de Ibn Gabirol, Judah Ha-Levi e Ibn Ezra com
influências pitagóricas, de misticismo matemático e gramatical, e neoplatônicas, como
a teoria das emanações.
Alguns atribuem aos cabalistas espanhois, entre eles Moses ben Shem Tov ou Moses de Leon,
a autoria do Zohar, também nesta época, na verdade de Leon foi um dos primeiros
divulgadores dos conhecimentos do Zohar.
Com a expulsão dos judeus da Espanha, o centro da Cabala passou então para Safed na
Galiléia.
Antes porém, os cabalistas espanhois criaram na Itália e na Turquia centros de
atividades Cabalistas, quando a comunidade Sepharadita moveu-se para o Leste.
Sholomon Alkabez (1505-1584) compositor do Hino de Sabbath "Lecho Dodi",
estabeleceu em Salonika, então parte da Turquia, uma fortaleza florescente de pensamento
sobre a Cabala. Depois disso, dirigiu-se com um grupo de cabalistas fervorosos, quarenta
anos após a expulsão dos judeus da Espanha, para a Terra Santa, na pequena cidade de
Safed na Galiléia, fundação de um dos períodos mais influentes da história da Cabala.
Sobre Safed, em 1607, Shlomel de Moravia, autor da bibliografia de Isaac Luria, o Ari,
escreveu:
"Aqui vivem os grandes mestres, santos e homens de ação... Nenhum entre êles tem
vergonha de ir à fonte, pegar água e carregá-la em seus próprios ombros, ou de ir ao
mercado e comprar pão, óleo e verduras. Todo trabalho em casa é feito por êles
mesmos..."
Modelada segundo o sistema comunitário dos Essenios, a vida em Safed representou a
perfeita cooperação do ideal socialista. Foi o lugar onde Isaac de Luria, o maior dos
mestres da cidade, contribuiu com grandes somas dos seus bens advindo dos negócios de sua
família com tecidos, e onde Joseph Caro, nascido na Espanha, e um dos maiores nomes da
tradição legal do Judaismo (halakhic), praticava as leis durante o dia e a Cabala
durante as noites. Sua permanência em Safed atraiu mestres não menos famosos, como Moses
Cordovero (1522-1570), cunhado e discípulo de Solomon Alkabez grande escritor místico e
Cabalista Líder em Safed.
Sob Alkabez, um grupo chamado Chaverim (camaradas), se encontrava regularmente nas
sepulturas dos santos mortos, onde conduziam cerimoniais e meditações em grupo.
A fim de colocar seus corações no caminho da Shekhinah (presença imanente e aspecto
feminino de Deus) êles eram ensinados a como purificar continuamente as suas mentes e
corpos, abstendo-se da ira e da raiva, crueldade, e inimizades com seus vizinhos.
Abstinham-se mesmo de matar os pequenos animais como insetos.
Os treze atributos divinos de Moses Cordovero são:
1 - Perdão face a insultos
2 - Paciência em aguentar o mal
3 - Perdão, para apagar os males sofridos
4 - Total identificação com seus vizinhos
5 - Completa ausência de raiva, combinada a ação apropriada
6 - Relembrar somente as boas qualidades de quem o ofende.
7 - Eliminar qualquer traço de vingança
8 - Esquecer o sofrimento inflingido a sí, por outros, e lembrar somente do bem
9 - Compaixão para com os sofredores, sem julgá-los
10 - Ser sempre verdadeiro
11 - Prazer além da letra da lei, para com os bons
12 - Assitir aos fracos para se recuperarem, sem julgá-los
13 - Relembrar de todos os seres humanos sempre na inocência de sua infância
Após Cordovero, Issac Luria foi o grande mestre de Safed. De acordo com o Ari (Issac
Luria era chamado o Ari, devido a uma permutação do nome Rabi Isaac Ashkenazi, este
último nome indicando sua origem alemã - outra versão diz que era chamado Haari ou
Leão, ou ainda Haari HaKadosh - o Leão Sagrado), a tarefa do Cabalista em suas
meditações privadas agora abrangia o universo. Uma vêz purificada, a mente humilde se
ligava à fonte divina, e era obrigada a retornar aos mundos mais baixos e com esfôrço
renovado retirar as faíscas sagradas das cascas materiais que recobrem todos os seres,
flores, minerais e demônios. Para este propósito, o Ari desenvolveu um novo sistema de
concentração baseado em elaborados processos mentais na forma de "kavannot"
(símbolos contemplativos que denotam visualizações específicas) sobre as letras e
frases das preces diárias.
Desde que a prática destes exercício requeria a maior pureza da mente e do corpo, o Ari
iniciou um curso paralelo de "Tikkun" (correção). Certas fórmulas prescritas
individualmente pelo mestre ao discípulo, eram projetadas para limpar a sua alma de seus
defeitos e então preparar o caminho para a purificação de tudo que ele refletisse.
O Ari amava toda a criação, sem exceção. Ele cuidadosamente evitava causar mal até
mesmo a insetos e vermes, insistindo que estes também iriam evoluir no curso da
trasmigração das almas. Mesmo as coisas inanimadas, como ele as via, podiam ser
comunicadas através da liguagem do espírito. Por esta razão, cada palavra nas preces
Lurianicas é investida com mistérios que trasncendem todas as tentativas de
intepretação literal.
Ele elevou os exercícios de concentração escritos a um nível exaltado, inscrevendo-os
nos livros de oração Sephardicos (relativos a Safed, Safaraditas), que, dois séculos
após a sua morte, também serviram como manuais de meditação para os Hasidim Europeus,
ou buscadores da ectasia de Baal Shem Tov.
No sistema Lurianico, uma prece real, só poderia ser expressa pelo homem puro que tivesse
desaparecido dentro do alcance infinito da Coroa Cósmica (Kether), antes mesmo de abrir a
sua boca para glorificar a Deus.
Nesse sentido, a ênfase do Ari na simplicidade, humildade e caridade, era ainda maior do
que as de Bahaya e Cordovero. Mostrando todas estas qualidades em sí mesmo, ele inspirou
a comunidade de Safed, que nunca o deixou de amar por sua ilimitada generosidade e
douçura pessoal.
A passagem de Luria por Safed foi muito importante, relata-se que "visualizada"
pelo Rabi Chayim Vital, que morava em Damasco, fêz com que este se dirigisse à ciadade
dos cabalistas para lá encontrar o Ari.A história do Ari mostra que ele estudou
profundamente o Zohar do Rabi Shimeon bar Yohai, e que em seus sonhos e transes tinha como
mestres Rabi Akiva, Rabi Eleazar e o próprio profeta Elias.
Os registros de Vital, mantidos secretos até a sua morte, foram revelados e circulados
contra a sua vontade. Então os ensinamentos do Ari, segundo Gershom Sholem,
"tornaram-se propriedade comum dos cabalistas posteriores".
Através de Vital, podemos entrever as instruções de purificação para um discípulo,
sobre como praticar a vasta e complicada meditação de "ligação" (yichud em
hebraico, em inglês=binding).
Antes de entrar na sinagoga o discípulo devia fazer uma doação anonima para uma causa
de caridade. Então, usando os paramentos sobre a cabeça e braços rezava a manhã toda.
Mentalmente devia recordar ou re-contar as atividades e pensamentos do dia anterior, para
saber se tinha sido escrupuloso evitando causar mal a qualquer coisa viva. Se o Ari o
designasse como descendente de Cain, então deveria evitar colocar facas sobre a mesa.
De acordo com Vital, o Ari ensinava a seus discípulos como andar, como comer e como
rezar.
Seguindo as instruções do Ari, seus discípulos sempre tinham sal à mesa, mas evitavam
beber água após a refeição. Deviam manter os pés juntos enquanto recitavam bençãos
e trabalhavam duro para evitar o hábito de puxar fios da barba distraidamente. O Ari até
mesmo dava frases para que fossem colocadas nas paramentas do Sabath.
À cada homem era dado um dia da semana personalizado como período salutar para seu
progresso espiritual, e um dia por mês, quando ele estaria a salvo de injúrias e da
morte.
Mais do que "dias de sorte", estes períodos eram utilizados para meditações
repetitivas projetadas para liberar a sua alma em preparação para o dia da morte. Os
discípulos realizavam meditações diárias para correção da mente, algumas tão
simples como repetir a frase do Exodus 15: "Eu sou Deus que cura você", em
combinação com um nome Sagrado, derivado das letras do Tetragramaton (IHVH).
O Ari era um tão grande mestre espiritual que sabia exatamente onde, e quão alto, na
Árvore Cósmica cada alma estava localizada. Ele explicava os versos da Torah a cada um
dos seus discípulos, exatamente nos momentos em que estes estavam intuitivamente prontos
para receber o significado por trás de cada verso para sua ascenção espiritual.
O mestre apresentava a seus discípulos fórmulas para evitar que as "forças
externas" que distraiam as suas mentes, fórmulas para lembrá-los de que Deus os
criou a sua própria imagem, fórmulas para induzir odores e sons.
Ensinava a seus discípulos a meditar sobre seus corpos, focalizando no topo da cabeça,
sem entoar nenhum dos Nomes Sagarados, pois a Coroa reina em absoluto silêncio...
Andando do lado de fora, eram ensinados a imaginar suas pernas como as esferas de Netzah e
Hod, e seus olhos como Hockmah e Binah, sempre lembrando que o corpo era um trono para o
Espírito Sagrado. Alguns discípulos chegaram mesmo a dizer que "voavam" pelo
ar, quando traziam para sí a luz de um atributo secreto chamado Daath (Comhecimento),
localizado entre a Sabedoria e o Entendimento, na Árvore Cósmica.
Existiam inúmeras fórmulas para utilizar na observância religiosa, feriados e na
execução da Lei Judáica. Também haviam tantas fórmulas de propósito contemplativo
quanto haviam experiências de vida. "Tudo", dizia o Ari, "depende da
intensidade de sua concentração e sua ligação com o alto. Não remova isto da frente
dos seus olhos".
Motivados como eram, pela intensidade do exemplo espiritual de seu mestre, e dedicados a
meditação de ligações (yichudim), não é de surpreender que os místicos de Safed
comparassem a sí mesmos como "anjos nos céus".
As duas grandes escolas da Cabala produzidas no século XVI, em Safed, foram o Cordoveron
(do Rabi Moses Cordovero) e a Lurianica (Rabi Isaac Luria).
Cordovero completou em Safed, em 1522, "Ohr Yakar" (Luz Exaltada), o primeiro
comentário completo e compreensivo sobre o Zohar; outras obras são: Or N'erav, Shiur
Koma, Tomer Deborah e Pardes Remonim.
Rabi Isaac Luria, o Ari, de sagrada memória, nasceu na velha cidade de Jerusalem em 1534.
De acordo com a lenda, o profeta Elias veio para a sua cerimônima de circuncisão,
atuando como Sandek, Pai de Deus, e disse a seu pai que tivesse atenção com seu filho,
pois uma luz exaltada deveria brilhar nele.
O Ari era uma autoridade no Talmud já na sua infância, e diz a lenda que aos treze anos,
encontrou o Zohar, e por treze anos viveu como eremita num local remoto no rio Nilo,
estudando os segredos da Cabala.
Em 1569, Isaac Luria, o Ari, foi para Safed, onde estudou com Moses Cordovero; alí
desenvolveu um novo método para compreensão do Zohar, o qual leva o seu nome (Sistena
Lurianico), o qual focaliza as Dez Sephiroth (Dez Emanações Luminosas).
Um dos tópicos de sua atenção trata da comunicação. O Sistema Lurianico de Cabala
descreve conceitos que permitem a um homem comunicar-se com outro, no futuro, através de
ondas mentais.
Com a idade de 38 anos, no quinto dia de Av, 1572, o Ari completou sua missão e partiu
para o lugar desejado no Jardim do Eden.
A Idade de Ouro de Safed, manteve seu lugar na história judaica, através do Rabi Haim
Vital. O discípulo mais favorecido do Ari; que juntamente com seu filho Shmuel,
impuseram-se a tarefa de gravar os pensamentos do mestre em papel.
Outro cabalista, que compartilhou esta época de Ouro de iluminação (1490-1590), foi
Abraham Ben Mordchai Azulai. Nascido em Fez (1570-1643) de uma família de cabalistas de
origem casteliana, escreveu três tratados sobre o Zohar:
Or-ha Levanah (Luz da Lua), Or-ha Chamah (Luz do Sol) e Or-ha Ha'Ganuz (Luz Escondida ou
Oculta). As palavras de Azulai no prefácio de Or-ha Chamah, conforme o Dr. Philip S.
Berg, soam com mais força hoje, do que em qualquer outra época: "A partir do ano
1540, é muito importante que todos estudem a Cabala em público e que todos se preocupem
com o estudo da Cabala. Pois é pelo mérito da Cabala, e de fato, somente através da
Cabala irá o Messias aparecer para fazer desaparecer da face da terra a guerra, a
destruição, as injustiças sociais, e sobre tudo a desumanidade do homem".